sexta-feira, 14 de novembro de 2008

São mesmo só dois dias!!!

Emília passou pla vida quase sem dar por isso... e a vida agora já não dá nada por ela!
Tem 90 anos.

Dá nomes e formas às memórias para conseguir sobreviver...
Vai fintando a tristeza das 9 às 5 num centro de dia perto de casa.
Quando chego está sentada numa cadeira tão velha como ela, encaixada no meio de outras tantas.
O centro é apertado e está cheio de gente. Cheira a sopa e a gás de cozinha que a merda do exaustor não ventila ... está frio lá dentro e há grades nas janelas... fico enjoada.

A velhinha quer falar ... eu deixo, claro!
Há saudade e solidão em cada palavra.
Pergunto-lhe o que fazia quando era nova:
"-Espalhei afectos... "
Por isso todos gostavam dela... já cá não estão para retribuir.

Arrepende-se de não ter tido filhos, diz, talvez agora o coração estivesse mais quentinho.
Conta também que embora só se tenha apaixonado uma única vez
entregou o coração a vários homens,
porque se pode amar de várias maneiras.

Emília encarquilhada e enrroscada sobre si mesma, ocupa pouco espaço... é quase bonita!
Dos tempos áureos resta-lhe o sorriso transparente e sincero e a grandeza daqueles que dão, sem pedir nada em troca.Fala com dificuldade porque o peso da idade a deixou sem fôlego...completa as frases com gestos.

Não se queixa da vida que teve, foi óptima aliás: teve um grande amor, amigos, saúde... mas garante que a velhice não tem sido meiga desde que chegou, agora é apenas uma sombra do que já foi.

Para além das doenças pouco mais tem de seu...sobraram-lhe os afectos que nunca conseguiu deixar de espalhar e um xaile de renda que lhe ofereceu uma das enfermeiras do centro, no Natal passado.

"-E é isto querida...é isto que levamos desta vida..." resume a sorrir enquanto se levanta para ir comer a sopa antes que fique fria.

...
...

porra!!! é só isto que sobra???

Sem comentários: