terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Fazes-me falta...(2)

8. Organizei a minha existência por iluminações. Dessa forma, todo o amor e todas as vitórias me eram permitidas: já estava morto.

Estrangulava as paixões no berço, o que teve a vantagem de as tornar fulgurantes ... e a desvantagem de as tornar estéreis.

Nenhuma mulher oferece um filho a um homem que honestamente se confesse desprovido de vocação para a permanência. O famoso instinto de maternidade consiste sobretudo nisso; presentes de sangue para atiçar a constância e a culpa dos homens. Falhado o plano, transforma-se o diamante humano em simulacro do objecto amado - e o filho serve de gloriosa deserção da vida.

Disse uma vez a uma mulher :" não creio que possa envelhecer a teu lado mas gostaria de ter um filho teu antes de nos separarmos." Tratava-se de uma enorme declaração de amor, mas a minha sinceridade não comoveu o âmago da minha amada; fez as malas e pôs-se na alheta no dia seguinte.

Essa santa tentara durante três anos converter-me à conjugalidade. Deixava o shampoo esquecido na minha banheira. Eu devolvia-lho com um grande sorriso no dia seguinte. (...)

Fiquei, por conseguinte, orfão involuntário desse filho que não tive. E nunca soube o que era amar para lá da breve chama da iluminação.

Inês Pedrosa

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